Entrevista a Teresa Anjinho. Candidata a provedora de Justiça da UE adverte contra desinformação
Teresa Anjinho é candidata a provedora de Justiça da União Europeia. Ocupou o cargo de provedora-adjunta de Justiça em Portugal, entre 2017 e 2022. A antiga deputada pelo CDS-PP, atualmente membro do Comité de Fiscalização do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), conversou com a Antena 1 em Bruxelas.
No essencial, investiga queixas respeitantes a casos de desrespeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos, por normas jurídicas ou pelos princípios da boa administração (nomeadamente, casos de discriminação, abuso de poder, falta de resposta, recusa de informação e atrasos injustificados).
A candidatura de Teresa Anjinho é uma das seis candidaturas aceites ao órgão que investiga as queixas contra as Instituições Europeias.
O papel do provedor de Justiça Europeu
Qual é a importância do Provedor de Justiça no espaço da União Europeia?
O provedor de Justiça Europeu é, de facto, um órgão muito importante no quadro da União Europeia porque, essencialmente, a sua função clássica é a de receber queixas de todos aqueles que residem no espaço da União Europeia em relação à dita má administração das Instituições Europeias – e estou aqui a generalizar, mas é particularmente importante que se perceba aquilo que são muitas vezes os limites do seu mandato.
Neste papel tem vindo a ser reconhecido como um guardião da transparência, um guardião da chamada accountability – que até é mais do que a própria responsabilidade – e tem vindo a desempenhar um papel cada vez mais próximo daquilo que eu acho que se pode entender como um guardião dos direitos dos cidadãos.
De facto, o direito de se queixar, de apresentar uma queixa, não deixa nunca de ser um dos principais direitos que o cidadão europeu pode ter e, portanto, o Provedor acaba por ser muito mais do que – como se diz na gíria de Bruxelas – um watchdog – aquele que vela pelo cumprimento rigoroso das regras das Instituições Europeias – para ser também – e agora utilizando a gíria já mais digital – um proxy, ou seja, aquele que fomenta a cidadania europeia e um espaço de integração gradual europeu.
É isso que define o provedor europeu que também tem – e tem vindo a adquirir cada vez competências mais nesse aspeto – a possibilidade de desenvolver ele próprio as suas investigações o que é importante para abordar, por exemplo, aquilo que são problemas sistemáticos e estruturais no quadro da União Europeia.
O provedor de Justiça Europeu tem vindo também a desenvolver cada vez mais um papel de consciencialização. E nós sabemos que isso é muito importante porque se as pessoas não souberem os direitos que têm, também não os exercem e é essa consciencialização que vai promover a participação do cidadão e, consequentemente, aquilo para que o Provedor Europeu foi criado que é a confiança nas instituições.Os candidatos à Provedoria de Justiça da União Europeia devem ter o apoio de um mínimo de 39 deputados do Parlamento Europeu de, pelo menos, dois Estados-membros.
Os candidatos apresentam as suas prioridades numa audição organizada pela Comissão das Petições, em 3 de dezembro, em Bruxelas.
O provedor foi criado para diminuir aquilo que é o fosso entre o cidadão e as instituições e é por isso que é uma instituição tão única.
No fundo, acaba por não desenvolver processos num sentido contraditório ou acusatório mas num sentido de parceria com as instituições, para que possa ser uma ponte, tão importante nos dias de hoje, entre o cidadão e as instituições.
Às vezes funciona quase como que um mero tradutor. Eu acho que nós, nos tempos que correm, precisamos muito de tradutores mesmo quando falamos a mesma língua, porque raramente nos ouvimos – porque a vida acaba por ser muito acelerada – e quando nós não nos ouvimos também não conseguimos perceber as razões por trás de muitas das decisões e das atitudes das outras pessoas.
No fundo, é isso que o provedor muitas vezes acaba por fazer: ser uma ponte, um tradutor entre o cidadão e as instituições.
E quem é que pode apresentar queixa, sendo que o provedor de Justiça Europeu não é um órgão de recurso do provedor de Justiça Nacional?
E isso é muito importante até porque o provedor europeu não é um provedor nacional. Os Provedores Nacionais têm um estatuto muito próprio no quadro da União Europeia – até diferenciados entre eles – que os distingue do Provedor Europeu até porque este tem como limite as Instituições Europeias.
Qualquer cidadão europeu pode apresentar queixa, mas também qualquer cidadão que resida no espaço europeu ou mesmo as ONG.
É muito interessante referir a necessidade de se ter ou não um interesse direto na queixa: isso não é necessário, basta ter um interesse público generalizado. Por isso é que o provedor Europeu é tão importante naquilo que são as queixas relacionadas, por exemplo, com questões ambientais. Há um interesse legítimo do cidadão que reside no espaço europeu em apresentar uma queixa por algum motivo.
É muito importante o papel que as ONG, a sociedade civil, têm de poder apoiar o provedor porque estamos a falar de uma instituição relativamente pequena. Eu acho que as pessoas não têm consciência de que, para um espaço tão grande como é a União Europeia, a Provedoria tem cerca de 80 pessoas a trabalhar e, às vezes, aquilo que nos perguntam é como é que uma instituição tão pequena tem um mandato tão grande.
Eu, com toda a honestidade, acho que esse é mesmo o propósito porque o provedor tem como principal intenção dar um rosto humano às instituições e, portanto, se acabasse por ser muito grande iria entrar nos mesmos vícios burocráticos e com grande dificuldade conseguiria dar esse rosto aos cidadãos.
Qual é a razão para a sua candidatura? O que é que pretende fazer caso venha a ser eleita?
Com toda a honestidade, a minha candidatura parece ser o culminar de um processo gradual profissional.
Eu comecei por ser académica, da área dos direitos humanos, e eu estava apaixonada pelas ideias, pela teoria. Depois, mais tarde, entrei na política – até por estar envolvida em questões relacionadas com os direitos das mulheres e sempre achei que era muito importante que também eu, tendo essa oportunidade, desempenhasse o meu papel – e quando o faço, percebo rapidamente que uma ideia para ser boa tem que ser concretizável.Os candidatos apresentam as suas prioridades numa audição organizada pela Comissão das Petições, a 3 de dezembro, em Bruxelas.
Eu tenho que convencer os outros que, de facto, a consigo concretizar, ou seja, é a ideia que a teoria sem a prática é vazia e a prática sem a teoria é cega. E esta síntese eu aprendi-a essencialmente na Provedoria de Justiça em Portugal.
Exerceu o cargo de provedora- adjunta de Justiça em Portugal. Em que é que essa experiência foi também importante para a candidatura que agora apresenta a nível europeu? O que é que percebeu nesse contacto mais próximo que teve com as preocupações e com as queixas dos cidadãos?
Percebemos a importância de conseguirmos encontrar um meio termo entre aquilo que é o dirigismo necessário de qualquer política e o envolvimento do cidadão, a sua participação. E, por vezes, o cidadão nem conhece os seus direitos e, portanto, não participa.
Por vezes, o cidadão não percebe sequer aquilo que são as respostas que lhe são dirigidas pelas instituições.
E, muitas vezes, aquilo que nós tínhamos que fazer na Provedoria de Justiça em Portugal era traduzir essas respostas – às vezes até diminuindo aquilo que é a linguagem jurídica – para que aquele que precisa de uma solução para o seu problema possa perceber aquilo que está a enfrentar.
E é por isso que eu me estou a candidatar. Eu acho que a minha experiência – seja no campo académico, seja no campo da administração pública em geral, seja mesmo esta mais recente no quadro da Provedoria de Justiça em Portugal – permite-me ir um pouco mais à frente no quadro da União Europeia e conseguir pôr em prática os meus valores, os valores de compromisso ao nível da Justiça, da priorização da justiça, da integridade e da transparência, mas agora no quadro europeu.
Porque consigo perceber as dificuldades dos processos decisórios, consigo perceber, mais do que nunca, a importância do diálogo, a importância da diplomacia interinstitucional, a importância de conseguirmos encontrar pontos comuns que possam dar a solução que os cidadãos pretendem e façam com que as instituições consigam responder mais àquilo que são as suas necessidades.
Considero que hoje as instituições não têm vindo a responder tanto àquilo que são as necessidades dos cidadãos porque ainda estão, muitas vezes, dentro de modelos de administração que são muito lentos e pouco flexíveis.
Por isso defendo que devemos tentar construir, nesta nova era digital, – com as devidas garantias de salvaguarda do cidadão – uma administração que responda melhor às necessidades dos cidadãos no espaço europeu. Isso é particularmente importante.
A experiência no Organismo Europeu de Luta Antifraude
É também membro do OLAF. Fazer parte deste Organismo Europeu de Luta Antifraude também a ajuda a perceber a importância de as instituições serem reconhecidas para que, de facto, os cidadãos possam recorrer aos instrumentos que têm para fazer valer os seus direitos?
Eu quero acreditar que quanto mais estabelecidas as instituições estão, maior é o nível de confiança e de conhecimento que as pessoas têm destas mesmas instituições.
O OLAF é uma instituição que tem dado as suas provas, que é conhecida e que, consequentemente, acaba por ter reflexo naquilo que são as queixas que lhe são apresentadas pelos mais diversos canais. E o mesmo acontece obviamente com a Provedoria Europeia.
No quadro do OLAF eu faço parte do Comité de Supervisão. O Comité de Supervisão é muito importante porque uma organização deve ter os seus sistemas internos de controlo e de qualidade e, no fundo, em instituições tão importantes como é o caso da agência de luta antifraude, o Comité de Supervisão tem um papel particularmente relevante para garantir sempre a independência do diretor-geral e aquilo que é o cumprimento dos padrões mais elevados no exercício do seu mandato.
E ser parte deste Organismo Europeu de Luta Antifraude é também uma mais-valia para esta candidatura?
O OLAF e a Provedoria Europeia têm alguns pontos em comum e é por isso que, muitas vezes, até acabam por ser genericamente rotulados como os dois grandes watchdogs das Instituições Europeias.
Podemos defini-la como uma grande defensora da comunicação entre as instituições e os cidadãos? A transparência é essencial?
Fundamental. Aliás eu acho que esse é um dos maiores desafios do mundo em que vivemos: a comunicação.
As pessoas têm que conseguir navegar suavemente por entre uma arquitetura muito complexa que é a União Europeia e, quanto mais complexa mais opaca, e quanto mais opaca maior é a desconfiança. E em termos de desinformação – que nós todos sabemos que é particularmente difícil de lidar – temos que saber comunicar. A transparência deve ser um fator de responsabilização destas mesmas instituições.
Tenho verificado exatamente a importância deste valor associado à responsabilidade e associado sempre a valores de integridade, morais e éticos, cada vez mais elevados. Porque é isso que as pessoas cada vez mais exigem das instituições.
Os cidadãos estão também mais conscientes dos seus direitos – há muito caminho a fazer mas esta é também uma realidade – mais conscientes e mais participativos também…
E bem.
Temos um cidadão que é mais informado e, logo, mais exigente. E é assim que deve ser.
O nível de exigência também fará com que as instituições possam ser mais sólidas e por isso é tão importante nós investirmos em cultura institucional.
Eu acho que quando se fala de transparência é disto que nós estamos a falar, ou seja, de nós podemos demandar daqueles que nos representam o reporte periódico sobre a forma e o método do exercício das suas funções.
E, portanto, nesse sentido, considero que tanto na Provedoria Europeia, como no quadro da Agência de Luta Antifraude, esse é um valor norteador daquilo que será, se assim for eleita, a minha função.
Links úteis
https://european-union.europa.eu/institutions-law-budget/institutions-and-bodies/search-all-eu-institutions-and-bodies/european-ombudsman_pt
https://eurocid.mne.gov.pt/artigos/queixa-ao-provedor-de-justica-europeu
https://anti-fraud.ec.europa.eu/index_pt